11/05/2007

Não saias daqui meu querido, está bem?

Quando temos tempo para reparar e observar o que está ao nosso lado, o mais das vezes temos a supremacia, sim, para mim é supremacia, de observar as coisas mais ternurentas que existem.
Enquanto terminava a primeira litrada de cortisona, coisa que leva uns 40 minutos, observava as pessoas que tal como eu, ali estavam por alguma razão de saúde. E desde casos simples, ou que eu acho que são simples, também assisti a verdadeiras situações aflitivas e agoniantes. Em todos os sentidos.
Na minha frente tinha uma maca, onde um Sr., completamente entubado e com oxigénio, aguardava que os resultados dos exames viessem, para voltar a subir para a enfermaria de onde tinha saído. A mulher, que naturalmente tinha todo o direito de ali estar, sentiu necessidade de “ir fazer um xixi”, tal como disse, quase em segredo, ao marido deitado, entubado, com oxigénio, mas de olhos abertos, e que pela expressão parecia perceber absolutamente tudo o que a sua Querida lhe tinha dito. “Eu já venho, não saias daqui meu querido, está bem?” E ele, uma vez mais pareceu perceber na perfeição o que a sua Querida lhe tinha dito. Quase que fiquei com a sensação que esboçou um sorriso de anuimento.
O resto das pessoas que ali estavam e que ouviram, "não saias daqui meu querido, está bem?", riram enquanto diziam com a maior frieza que pode existir, o "óbvio", aquilo que as suas idiotas cabeças pensam ser o óbvio, porque pobres coitados, não conseguem ver para além de, "pois, como se ele fosse a algum lado...".
E eu, encolhi os ombros e disse, mas disse mesmo, não me limitei só a pensar, “que tristes, que tristeza humana”. “Que tristeza humana esta, que me dá vergonha alheia, de ver que não conseguem perceber o sentido com que alguém diz, "não saias daqui meu querido, está bem?", apesar de saber perfeitamente que o seu Querido não será agora que vai sair dali, nem amanhã, ou depois. Mas saber com toda a certeza que é muito importante que o seu Querido saiba que ela, a sua Querida, quer que ele, mesmo que fosse capaz de sair, não o faria, e continuaria ali, a aguardar que a sua Querida voltasse para perto de si".
E eu tenho a certeza que aquela minha sensação de sorriso de anuência, foi a forma mais embevecida e ternurenta que ele soube ter, para lhe demonstrar que continuaria ali ou num outro sítio qualquer, a aguardar o seu regresso. Porque sabia que ela ia voltar. Com tubos, ou sem tubos, na maca, ou a pé, com garrafa de oxigénio ou sem ela. Ela viria já e não o ia deixar só.