09/10/2010

Uma ida à Lei

Manuel António Pina

O bastonário, que tanto se queixa dos magistrados quanto às indignidades do funcionamento da Justiça, faria bem se olhasse para a própria casa.

Ontem, fui chamado à Lei. Ao contrário dos guardiões de "A Lei", de Kafka, os guardiões do 3º Juízo Criminal do Porto são gente cordial e paciente; por aí, a minha aventura na Lei seria uma sensaboria.

Só que, mesmo não esperando que a Lei servisse chá e bolos, contava eu que tivesse umas cadeiras onde chamados e escolhidos se sentassem. Não tem. Advogados, queixosos, arguidos, testemunhas e público amontoam-se ali em dois lanços de escada e, se quiserem sentar-se, têm que fazê-lo (e é o que fazem) nos degraus ou em "zazen" no chão, pois que os colos uns dos outros estão fora de hipótese.

A Lei, amiúde anfitriã mal encarada, prestava-se ontem a receber os convidados mal estes, cumprindo escrupulosamente a hora fixada, chegaram. Só que, menos escrupulosa, uma incerta advogada, regendo-se no caso pelo fuso de Santa Maria da Feira, onde (ou ali ao lado, no Mercado do Bolhão) alguém a desencantou, se esteve nas tintas para Lei, juiz, procurador, cliente, colegas, testemunhas e só pôs os saltos altos no local quase hora e meia depois. Atrasos assim costumam custar aos cidadãos não advogados entre 204 e 1020 euros. A mim e a mais uma dezena de pessoas, o atraso de Sua Anónima Advogância custou uma hora e tal de pé e as pernas inchadas para o resto do dia.

O bastonário, que tanto se queixa dos magistrados quanto às indignidades do funcionamento da Justiça, faria bem se olhasse para a própria casa.

Manuel António Pina | Jornal de Notícias | 08.10.2010

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